terça-feira, 8 de setembro de 2015

Francis Bacon e Deus - Eduardo Feltraco



Francis Bacon e Deus

O que nos faz pensar?

Nosso pensamento é atemporal, desprendido do corpo, como afirma Descartes;
Nossas memórias e dados circulam pela psique, como afirma Watson e James;
Juntamente ordenados por uma porção de fatores já estabelecidos e imutáveis, uma verdade metódica, fixa, que exige nosso esforço para a descobrirmos ou sondarmos seus valores;

Ordenado? Pela sexualidade infantil e suas três fases?

Não, pois em termos de consciência pronta, a troca do primeiro objeto amoroso já acontece na puberdade, como afirma Freud;
Ordenado por heranças animais? Não, Pavlov já nos mostrou que em termos de moralidade consciente é impossível virmos dos animais [ver artigo Moralidade];
Como Santo Agostinho disse em 386 d.C. “a alma é a mais profunda porta para Deus, pois carrega sua semelhança”;
Um Res-cogitans, um ser pensante, que logo existe, numa pisque representada por um Ser externo;
A exigência material acaba por não distinguir o bem e o mal, por isso desprende-se do corpo, pois o mal muitas vezes é bom, afirma Sócrates;
Entra em questão se sabemos o que é bom e mal pela consequência do materialismo do Paradigma da Subjetividade, que ocasionou o mal deste tempo, deixando o homem com a verdade absoluta de si, propagando esse mundo corruptível e cruel de hoje;
O foco agora é a Intersubjetividade Comunicativa, associado à Objetividade, onde a verdade do bem, do mal e seus valores morais, dita por Descartes em 1623, quebra a dúvida cética e eleva o padrão objetivo e imutável, em Regulae ad directionem ingenii;


Desses pressupostos e afirmações, o Algo que pode mover nossas moções, somente um profundo sondador de todos os inconscientes. Realmente bom e perfeito, que deixa seus vestígios quase que insondáveis devido à morte intelectual de muitos, sê Ele Deus, com sua prova de amor, Cristo Salvador.

A seguir trechos do Livro “Novum Organum” de Francis Bacon, grande empirista que pelas Escrituras desejava uma relação benéfica para os seres humanos, escritas nesta obra:

LXX
A melhor demonstração é de longe, a experiência, desde que se atenha rigorosamente ao experimento. Se procurarmos aplicá-la a outros fatos tidos por semelhantes, a não ser que se proceda de forma correta e metódica, é falaciosa. Mas o modo de realizar experimentos hoje em uso é cego e estúpido. Começam os homens a vagar sem rumo fixo, deixando-se guiar pelas circunstâncias; veem-se rodeados de uma multidão de fatos, mas sem qualquer proveito; ora se entusiasmam, ora se distraem; presumem sempre haver algo mais a ser descoberto. Dessa forma, ocorrem que os homens realizam os experimentos levianamente, como em um jogo, variando pouco os experimentos já conhecidos e, se não alcançam resultados, aborrecem-se e põem de lado os seus desígnios. E mesmo os que se dedicam aos experimentos com mais seriedade, tenacidade e esforço acabam restringindo o seu trabalho a apenas um experimento particular. Assim fez Gilbert com o magneto, e os alquimistas com o ouro. Tal modo de proceder é tão inexperto quanto superficial, pois ninguém investiga com resultado a natureza de uma coisa apenas naquela própria coisa: é necessário ampliar a investigação até as coisas mais gerais.
E mesmo quando conseguem estabelecer formulações científicas ou teóricas, a partir dos seus experimentos, demonstram uma disposição intempestiva e prematura de se voltarem para a prática. Procedem dessa forma não apenas pela utilidade e pelos frutos que essa prática propicia, como também para obter certa garantia de que não serão infrutíferas as investigações subsequentes e, ainda, para que as suas ocupações sejam mais reputadas pelos demais. Por isso acaba acontecendo com eles o que aconteceu a Atalanta: desviam-se de seu caminho, para recolherem os frutos de ouro, interrompendo a corrida e deixando escapar a vitória. Para se topar com o verdadeiro caminho da experiência e a partir daí se conseguir a produção de novas obras, é necessário tomar como exemplos a sabedoria e a ordem divinas. Deus, com efeito, no primeiro dia da criação criou somente a luz, dedicando-lhe todo um dia e não se aplicando nesse dia a nenhuma obra material. Da mesma forma, em qualquer espécie de experiência, deve-se primeiro descobrir as causas e os axiomas verdadeiros, buscando os axiomas lucíferos e não os axiomas frutíferos. 
Pois os experimentos, quando corretamente descobertos e constituídos, informam não a uma determinada e estrita prática, mas a uma série contínua, e desencadeiam na sua esteira bandos e turbas de obras. Mais adiante falaremos dos verdadeiros caminhos da experiência, que, por sua vez, não se encontram menos obstruídos e interceptados que os do juízo; por ora falaremos da experiência vulgar.
Considerando-a como uma má espécie de demonstração. Mas, para o momento, a ordem das coisas exige que falemos algo mais acerca dos signos a que antes nos referimos graças aos quais se podem concluir que as filosofias e as especulações ora em uso andam muito mal —, como também das causas desse fato, à primeira vista espantoso e inacreditável. O conhecimento dos signos prepara o assentimento, e a explicação de suas causas dissipa qualquer sombra de milagre. Ambas as coisas concorrem para a extirpação, de maneira fácil e suave, dos ídolos do intelecto.

LXXXIX
Finalmente, constatar-se-á que, mercê da infâmia de alguns teólogos, foi quase que totalmente barrado o acesso à filosofia, mesmo depurada. Alguns, em sua simplicidade, temem que a investigação mais profunda da natureza avance além dos limites permitidos pela sua sobriedade, transpondo, e dessa forma distorcendo, o sentido do que dizem as Sagradas Escrituras a respeito dos que querem penetrar os mistérios divinos, para os que se volvem para os segredos da natureza, cuja exploração não está de maneira alguma interdita. Outros, mais engenhosos, pretendem que, se se ignoram as causas segundas será mais fácil atribuir-se os eventos singulares à mão e à férula divinas — o que pensam ser do máximo interesse para a religião. Na verdade, procuram “agradar a Deus pela mentira”.
Outros temem que, pelo exemplo, os movimentos e as mudanças da filosofia acabem por recair e abater-se sobre a religião. Outros finalmente parecem temer que a investigação da natureza acabasse por subverter ou abalar a autoridade da religião, sobretudo para os ignorantes. Mas estes dois últimos temores parecem-nos saber inteiramente a um instinto próprio de animais, como se os homens, no recesso de suas mentes e no segredo de suas reflexões, desconfiassem e duvidassem da firmeza da religião e do império da fé sobre a razão e, por isso, temessem o risco da investigação da verdade na natureza. Contudo, bem consideradas as coisas, a filosofia natural, depois da palavra de Deus, é a melhor medicina contra a superstição, e o alimento mais substancioso da fé. Por isso, a filosofia natural é justamente reputada como a mais fiel serva da religião, uma vez que uma (as Escrituras) torna manifesta a vontade de Deus, outra (a filosofia natural) o seu poder. Certamente, não errou o que disse: “Errais por ignorância das Escrituras e do poder de Deus” onde se unem e combinam em um único nexo a informação da vontade de Deus e a meditação sobre o seu poder. Ademais, não é de se admirar que tenha sido coibido o desenvolvimento da filosofia natural, desde que a religião, que tanto poder exerce sobre o ânimo dos homens, graças à imperícia e o ciúme de alguns, viu-se contra ela arrastada e predisposta. 

XCIII
Porém, o supremo motivo de esperança emana de Deus. Com efeito, a empresa a que nos propomos, pela sua excelência e intrínseca bondade, provém manifestamente de Deus, que é Autor do bem e Pai das luzes. Pois bem, nas obras divinas, mesmo os inícios mais tênues conduzem a um êxito certo. E o que se disse da ordem espiritual, que “O reino de Deus não vem com aparência exterior”, é igualmente verdadeiro para todas as grandes obras da Divina Providência. Tudo se realiza placidamente, sem estrépito e a obra se cumpre antes que os homens a suponham ou vejam. Não se deve esquecer a profecia de Daniel a respeito do fim do mundo: “Muitos passarão e a ciência se multiplicará”, o que evidentemente significa que está inscrito nos destinos, isto é, nos desígnios da Providência, que o fim do mundo o que, depois de tantas e tão distantes navegações parece haver-se cumprido ou está prestes a fazê-lo — e o progresso das ciências coincida no tempo.

CXXIX
E é digno de nota o exemplo de Salomão, eminente pelo império, pelo ouro, pela magnificência de suas obras, pela escolta e famularem, pela sua frota, pela imensa admiração que provocava nos homens, e que nada dessas coisas elegeu para a sua glória, e em vez disso proclamou: “A glória de Deus consiste em ocultar a coisa, a glória do rei em descobri-la”.
Considere-se ainda, se se quiser, quanta diferença há entre a vida humana de uma região das mais civilizadas da Europa e uma região das mais selvagens e bárbaras da Nova Índia. Ela parecerá tão grande que se poderá dizer que “O homem é Deus para o homem”, não só graças ao auxílio e benefício que ele pode prestar a outro homem, como também pela comparação das situações. E isso ocorre não devido ao solo, ao clima ou à constituição física.

XV
Objetivo e oficio destas três tábuas é o de fazer uma citação de instância perante o intelecto (como usualmente as designamos). Uma vez feita à citação, é necessário passar-se à prática da própria indução. É necessário, com efeito, descobrir-se, considerando atentamente as tábuas e cada uma das instâncias, uma natureza tal que sempre esteja presente quando está presente a natureza dada, ausente quando aquela está ausente, e capaz de crescer e decrescer acompanhando-a; e seja como já se disse antes, uma limitação da natureza mais comum. Assim, se a mente procura desde o início descobrir essa natureza afirmativamente, como ocorre quando abandonada a si mesma, ocorrem fantasias, meras opiniões e noções mal determinadas, e axiomas carentes de contínuas correções, se não se quiser, segundo o costume das escolas, combater em defesa de falsidade. Mas certamente os resultados serão melhores ou piores conforme a capacidade e a força do intelecto que opera.
Contudo, só a Deus, criador e introdutor das formas, ou talvez aos anjos e às inteligências celestes compita a faculdade de apreender as formas imediatamente por via afirmativa, e desde o início da contemplação. Certamente essa faculdade é superior ao homem, ao qual é concedida somente a via negativa de procedimento, e só depois no fim, depois de um processo completo de exclusões, pode passar às afirmações.

Referências:

DESCARTES, René. Descartes. Tradução J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979. Os Pensadores.

DESCARTES, 1979, p. 47.

SPINELLI, Miguel. Bacon, Galileu e Descartes. O renascimento da filosofia grega. São Paulo: Loyola, 2013, pp.23-130.

Agostinho. La inmortalidad del alma. Lope Cilleruelo. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1988. (Obras completas de San Agustin XXXIX).

McCloskey, Gary N. (April 2008) Encounters of Learning: Saint Augustine on Education, Saint Augustine Institute for Learning and Teaching, Merrimack College.

Blomberg, Craig L.. From Pentecost to Patmos. [S.l.]: Apollos, 2006. p. 519. 

DAMÁSIO, António R. O Erro de Descartes: Emoção, Razão e o Cérebro Humano. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.



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